Não consigo, não posso, não quero deixar de partilhar a beleza escrita, a sensualidade do pensamento e a harmonia da mente de um grande escritor, Fernando Pessoa, sobre o pseudônimo - Alberto Caeiro. Não considero que haja melhores convites à reflexão do que ler Pessoa, por isso aqui fica mais um...Não queremos nós ser o Descobridor da Natureza...?
Deste modo ou daquele modo,
conforme calha ou não calha,
podendo às vezes dizer o que penso,
e outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
vou escrevendo os meus versos sem querer,
como se escrever não fosse uma coisa de gestos,
como se escrever fosse uma coisa que me acontecesse,
como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto,
sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia.
E não precisar dum corredor
do pensamento de palavras.
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar
(...)
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem
mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
ora acertando com o quero dizer, ora errando,
caindo aqui, levantando-me acolá,
mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
(...)
Alberto Caeiro,
in Guardador de Rebanhos, XLVI
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