segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Jangada de Pedra

as vidas não começam quando as pessoas nascem, se assim fosse, cada dia era um dia ganho, as vidas principiam mais tarde, quantas vezes tarde de mais, para não falar daquelas que mal tendo começado já se acabaram, por isso é que o outro gritou, Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido.

a esses observadores que conseguem ver um completo olimpo de deuses e deusas onde não há mais que simples nuvens passando, ou àqueles que têm diante dos olhos Júpiter Tonante e lhe chamam vapor atmosférico, não nos cansaremos nunca de recordar que não basta falar de circunstâncias, com a sua divisão bipolar entre antecedentes e consequentes, como por abreviação de esforço mental se usa, mas sim é necessário considerar o que infalivelmente se situa entre uns e outros, digamo-lo por extenso e na sua ordem, o tempo, o lugar, o motivo, os meios, a pessoa, o facto, a maneira, se tudo não for medido e ponderado espera-nos o erro fatal no primeiro juízo proposto. O homem é um ser inteligente, sem dúvida, mas não tanto quanto seria desejável, e esta é uma verificação e confissão de humildade que sempre deverá começar por nós próprios, como da caridade bem compreendida se diz, antes que no-lo atirem à cara.

pelo dedo se conhece o gigante

(A Jangada de Pedra, José Saramago)

2 comentários:

  1. Fantástico! Foi um delicioso momento ler as tuas palavras. Tens ideias de facto certeiras que de forma repetida degustarei no futuro. Parabéns!

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    1. Vasco, o mérito não foi meu.
      Algum, é sinal que fiz uma boa seleção! Vou esclarecer: esta publicação são três passagens que, tal como a ti, me fascinaram no livro de José Saramago, A Jangada de Pedra.

      Fica a promessa de colocar aqui algo meu. Abraço!

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