domingo, 29 de janeiro de 2012

sonho e rizoma: diálogo sincero com jung


O ciclo do pêndulo


Por vezes, ouço a minha vizinha do andar de cima. Bem, para ser sincero, apenas ouço o som dos sapatos (sempre de saltos altos, como lhe apraz), mas isso basta para despertar um vulcão holográfico na minha mente. Dou um salto para trás, susto de morte. A sua expressão fria, rígida, sem um véu de alegria, deixa-me inquieto. Ela limita-se a caminhar, em passos absolutamente simétricos e infinitos. E sempre o mesmo som badalado e trauteado da madeira a punir o solo. De facto, há muito tempo atrás, intrigou-me profundamente a perfeita regularidade das pancadas. Mas, com o tempo e como tudo o resto, habituei-me a conviver com isso.
Passados os anos, ela continua a caminhar, no andar de cima. E, apesar de a base dos sapatos se ter desgastado e desaparecido com o tempo e a carne viva dos pés ter aberto caminho até aos ossos, ressoa ainda o som incessante do seu sapateado na minha cabeça.
De súbito, as badaladas do relógio de pêndulo despertam-me. Ganha força este receio miudinho e milenar de que, quando o pêndulo perder a sua amplitude mínima, será a morte da minha vizinha de cima e, muito provavelmente, a minha morte também, visto que também eu tenho um vizinho de baixo neste prédio sem fim.

rafael

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